segunda-feira, maio 19

Terminou de fechar a porta, que antes encostada podia ser fechada pelo vento, limpou as lágrimas do rosto e esbanjou um leve sorriso no canto da boca. Limpou os cacos, da taça quebrada, e o líquido, que dava ao chão a coloração sanguínea. Parou sentado na beira do sofá, olhando o infinito e sentindo toda a ausência que agora lhe fazia. O sol já ia embora, quando decidiu esperar mais um pouco e dar ao dia o ar de despedida eterna. O vento soprou, frio, na nuca e o arrepio inevitável demonstrava a pouca vida que ainda sobrava. O torpor causado pelo álcool começava a desaparecer, e os sentimentos embaralhados ascendiam junto a solidão. Solidão que lhe apertava, ausência que pisava esmagando a alma. Estava só e era invisível. A porta se abriu novamente e finalmente a sua ausência saia pela porta, carregando o copo cheio, a alma vazia e a pouca chama de vida.

T.D.O.Marques

quinta-feira, maio 15

Coletivo indivíduo

To me ajeitando a isso de coletivo, to aprendendo a lidar com as emoções à flor da pele, que sempre tive, to controlando segredos e dividindo anseios... to sendo um pouco mais coletivo.
To explodindo meus anseios individuais, to deletando as memórias boas e poucas, to esquecendo a intensidade, to perdendo a vaidade, to me fazendo de pouca memória. Orgulho tá se indo embora e não quero nem que volte, vou ficar sendo coletivo e dividindo a alegria coletiva, não tá sobrando muita para mim, mas é pro bem do coletivo. To ouvindo pouco e respirando mais, to falando menos e viajando mais. To sendo prestativo e bondoso, coletivamente, um bom moço.









 Explodiu o coletivo. Começou o fogo no início do coletivo. Desatou a soprar vento quando no meio o caminho meio torto fez-se certo. Acertou só para queimar. Queimou o pouco orgulho e a memória do coletivo, acendeu o fogo individual. Queima agora o individual, ventania assopra a brasa, que viva, vermelha e quente destrói a pouca emoção do indivíduo. Cai as cinzas do indivíduo. Como pó, que em coletivo sempre foi, é soprado para mais perto, mas é espalhado e pouco intenso. Sem a sua intensidade, foi-se embora a sua vontade... mas ainda se tem o coletivo, e dele sobrou a borracha queimada. Não é o ideal mas é só pro indivíduo, e o indivíduo é menos que o coletivo.

T.D.O.Marques

sábado, maio 10

Hoje não tem dormir.

Hoje vou dormir, vou dormir com a consciência leve e sem nenhuma mágoa. Vou exportar minhas preocupações para a China, meus medos para o Sahara, meus ressentimentos para o Alaska e meus sonhos para Paris. Vou dormir 10 horas inteiras sem nada para pensar, complicar ou delinear. Respiração limpa, corpo leve, alma límpida e pensamento puro. Vou aprender eternidade, vou exalar o perfume do frescor matutino ao acordar. Com um sorriso no rosto vou olhar no espelho e vou ver...
Um rosto esbugalhado, o cansaço nos ombros, as olheiras da insônia perene, o copo d'água do lado da cama. Vou lembrar das 10 vezes que, assustado, levantei da cama e fui caminhar pela casa. Vou ver a pilha de papéis que me espera e esperneia por um olhar. Vou sentir a idade me cutucando. Vou tossir e lembrar dos remédios que tenho que tomar, do ar que tenho que respirar para não faltar o ar. Vou recordar do sonho, onde almas vagavam e eu apenas seguia o ritmo.
Não vou dormir. Vou comprar as passagens dos meus sentimentos de volta e esperar na poltrona fria o sol nascer e depois do orvalho arder os olhos de um corpo da mente vazia.

T.D.O.Marques